"O Marsupilami é produto do génio de Franquin"
Franquin escolheu-o pessoalmente para desenhar o Marsupilami, tinha você 26 anos. Ficou surpreendido?
Não surpreendido, mas emocionado. Eu trabalhava para uma sociedade-irmã das edições Dupuis, que se ocupava dos produtos derivados e do audiovisual das personagens da Dupuis. Havia um hipotético projecto de desenho animado do Marsupilami e fui contratado para trabalhar nele. Era a época do colossal sucesso dos Schtroumpfs em animação e durante oito, nove meses, trabalhei unicamente no Marsupilami. Um dia, Franquin foi confrontado com os meus desenhos. Fui chamado a uma sala onde ele se encontrava, com os responsáveis do departamento audiovisual, e lá estavam, numa mesa, todos os meus desenhos. Saliento aqui que já então era um fervoroso admirador da obra de Franquin - ele era o meu ídolo. Quando era novo, até tinha uma pequena "bíblia" intitulada Como ser Desenhador de Banda Desenhada, uma parte da qual era dedicada a André Franquin.
E como reagiu Franquin aos seus desenhos?
Gostou, sem mais. Pouco tempo depois, telefonou-me um editor a dizer que ligava da parte dele e que iam publicar uma edição de luxo das histórias de Gaston Lagaffe. Franquin queria que eu colaborasse no lançamento com uns desenhos. Mandei-lhes alguns e no dia seguinte André Franquin apareceu lá no emprego. Foi o nosso primeiro encontro a sério. Fomos para um dos escritórios, bebemos uma cerveja, ele viu os meus desenhos e disse-me "É estranho, você desenha o Gaston melhor que o Marsupilami...". Fez algumas alterações aos meus desenhos e deu-me uns quantos conselhos, muito simpaticamente. Um ano depois, ligaram-me para me comunicar que Franquin ia relançar as aventuras do Marsupilami e que tinha pensado em mim para assegurar o desenho da série.
Ficou radiante...
Não, porque pensei que era uma partida! Não acreditei. Foi preciso que nessa tarde o próprio Franquin me telefonasse para confirmar o convite. Fiquei contentíssimo e muito emocionado, e tratei logo de me despedir. Quiseram dobrar-me o ordenado, mas disse- -lhes que ia fazer banda desenhada e fui-me embora. Conheci então o grande Greg, tive uma reunião com ele, com o meu editor, com o Franquin e a mulher dele, e comecei logo depois a receber páginas de argumento. O Greg escrevia à máquina e eu desenhava em minha casa, como independente. E aí a emoção deu lugar à angústia, mas lá me aguentei e comecei a trabalhar mesmo em conjunto com o Franquin. Nessa altura, em 1986, ele já tinha 63 anos, era muito depressivo e não queria trabalhar sozinho. Até tinha dito ao meu editor que já não era capaz de fazer um álbum de 44 páginas sem ajuda e que era altura de dar uma oportunidade a um jovem desenhador. Mais tarde, soube que foi a mulher dele, Liliane, quem se lembrou de mim e lhe disse, "Olha, e aquele rapaz que desenha tão bem o Marsupilami?..."
E como era trabalhar com André Franquin?
Era muito bom. Ele fartava-se de me dar conselhos, mas sempre com muita gentileza. Nunca tivemos uma relação de mestre/discípulo. Ia regularmente a casa dele, mostrava-lhe as minhas páginas e fizemos o primeiro álbum em quatro meses. Devo-lhe muito, e até guardei todos os esboços e gatafunhos que ele fez durante os nossos encontros de trabalho. São uma preciosidade!
Colaboraram em quantos álbuns antes dele morrer, em 1997?
Trabalhámos juntos nos três primeiros e a partir daí só o vi episodicamente, para irmos almoçar ou falar sobre os álbuns, porque nessa altura ele estava embrenhado nos Tifous, uma série de desenhos animados que não correu bem. Depois voltou e trabalhámos juntos de novo em mais três ou quatro álbuns. Aseguir, afastou-se outra vez . Eu ia mostrar-lhe os desenhos a casa dele de vez em quando, mas via que ele já não estava muito interessado. Quinze dias antes de Franquin morrer, ainda viu as primeiras pranchas do álbum número 11 do Marsupilami. Estava muito bem disposto. Almoçámos juntos, voltámos a casa dele, vimos os desenhos, contámos piadas. Deixei-o eram umas três da manhã. Duas semanas depois, morreu.
O Marsupilami é uma personagem enormemente popular, e essa popularidade atravessa todas as camadas etárias, abrange fãs de BD e simples curiosos do género. Qual é, na sua opinião, o encanto único desta figura?
Por mim, posso dizer que uma das razões por que aceitei desenhar o Marsupilami é por ser uma personagem tão próxima de Franquin. Quanto à gigantesca popularidade do Marsupilami, põem-me muitas vezes essa pergunta. Os editores chamam-lhe "o animal mágico", porque qualquer que seja a pessoa que contacte com ele, é seduzida. Um dia, estava numa livraria a dar autógrafos num álbum novo, com um grande boneco de peluche do Marsupilami ao pé de mim, e todas as crianças paravam a olhar para ele. Um dos miúdos veio ter comigo e disse-me "Ó senhor, desenha-me o cão amarelo?". A simpatia que se desprende da personagem é imensa e deve-se ao génio de Franquin. O Marsupilami é um produto do génio dele, tal como o Gaston Lagaffe.
Quanto tempo demora a desenhar um álbum do Marsupilami?
Varia muito. Logo que tenha o argumento feito, demoro três dias a fazer uma página. Mas normalmente, como todo o desenhador de BD que se preza, deixo o tempo passar, faço outras coisas, e para o fim do álbum tenho que acelerar e dou comigo a desenhar durante dois meses, seis dias em sete, 15 horas por dia. Demoro entre quatro a seis meses a completar um álbum. E faço questão sempre de estar à altura de quem confiou em mim.